A Representação do Medievo na Educação Básica Paulista:
Um Olhar sobre o Conteúdo Inserido nos Livros Didáticos.
Fernando Oliveira Queiroz Ferreira[1]
[1] Professor de História graduado no Centro Universitário Fundação de Ensino Octávio Bastos, pós graduando em ensino de humanidades pelo IFSULDEMINAS campus Passos
E-mail: fernandooqferreira@hotmail.com
RESUMO
Este artigo tem como objetivo uma análise sobre como a idade Média aparece nas produções didáticas. Há uma necessidade de rever a construção do ensino de História nessas produções. Os livros didáticos têm um papel relevante na visão adquirida pelos estudantes, logo, é necessária atenção sobre este material.
INTRODUÇÃO
A construção de visões acerca do medievo se iniciou durante a Renascença e se consolidaram com o Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII. Nestes momentos, ela foi taxada como uma fase em que se predominavam o obscurantismo, o caos político e econômico, além de uma parca produção cultural (PEREIRA, 2008). Aspectos não pejorativos tendem a permanecer silenciados, restritos apenas a produção acadêmica, afastada em demasia do cotidiano escolar.
Neste sentido, os livros didáticos tendem a contribuir para a consolidação dessas visões negativas, uma vez que buscam resumir assuntos demasiadamente complexos em poucas páginas, em que se procura sintetizar ao máximo o conteúdo, que acaba por reproduzir visões construídas historicamente, muitas delas carregadas de preconceitos e generalizações (BITTENCOURT, 2009).
Neste contexto, a Idade Média aparece nas produções didáticas estereotipada como a “Idade das Trevas”, compondo assim as mentalidades do alunado sobre o período de modo negativo (PEREIRA, 2008). Muito do conhecimento detido pelos professores também se restringe àquele que os livros didáticos carregam consigo, o que acaba por resultar na incorporação dos discursos por eles construídos na sua fala diante dos alunos (GUIMARÂES, 2003).
Portanto, há uma necessidade de rever a construção do ensino de História nessas produções, e em especial, nesta pesquisa, naquele referente ao período medieval. Os livros didáticos têm um papel relevante na visão adquirida pelos estudantes, logo, é necessária atenção sobre este material.
Para tal o presente estudo abordará aspectos referentes a constituição do livro didático, tentando identificar suas características enquanto um instrumento que serve de apoio no processo de ensino-aprendizagem, estando presente nas salas de aula das escolas, sejam elas públicas ou privadas. Pretende-se também analisar conteúdos históricos escolares que estão inseridos na produção didática, relacionados ao feudalismo, assim como a influência das imagens presentes no capítulo em questão, tentando identificar como estas figuras contribuem para a construção de uma visão específica sobre este tema.
O livro didático enquanto instrumento do saber.
Os livros didáticos foram introduzidos na cultura escolar ao menos por dois séculos (séc. XIX) na sociedade europeia como material educacional de apoio ao professor:
“No século XIX, o livro didático surgiu como um adicional à Bíblia, até então, o único livro aceito pelas comunidades e usado nas escolas. Somente por volta de 1847, os livros didáticos passaram a assumir um papel de grande importância na aprendizagem e na política educacional. Os primeiros livros didáticos, escritos sobretudo para os alunos das escolas de elite, procuram complementar os ensinamentos não disponíveis nos Livros Sagrados. ”[1]
Posteriormente está ferramenta foi implantada na tradição escolar ocidental. Incluindo o Brasil. A implementação deste recurso nas escolas brasileiras se deu em 1929, com a criação do Instituto nacional do livro (INL). Órgão responsável por legislar sobre políticas do livro didático, que tinha como objetivo introduzir produções nacionais em nossa sociedade. Desde então o livro didático é o material de apoio mais recorrente dentro das escolas, sejam elas públicas ou particulares. Portanto, um instrumento que está presente nas salas de aula e tem seu papel na construção do ensino. Dada a importância descrita aqui desta ferramenta, é vital para esta analise entender como e de que forma se constitui o livro didático, para que assim possamos reconhecer seus propósitos e suas limitações.
As produções didáticas visam combinar o conhecimento escolar com métodos de aprendizagem, possibilitando a interação do aluno com o conteúdo ali exposto. Diferentemente de um ensino tradicionalista onde o professor é a única fonte de conhecimento.
“ Além de explicitar os conteúdos escolares, é um suporte de métodos pedagógicos, ao conter exercícios, atividades, sugestões de trabalhos individuais ou em grupo e de formas de avaliação do conteúdo escolar. Essa sua característica de associar conteúdo e método de ensino explica a sua importância na constituição da disciplina ou do saber escolar. ”[2]
Desta forma, o livro didático requer a atenção do estudante que necessitará de um momento de pausa para refletir sobre os textos e atividades ali contidas, diferentemente de outras mídias como a televisão e rádio que não necessariamente obriga-o a parar.
É responsável também, por transpor o conteúdo acadêmico para o escolar em uma linguagem mais acessível. Fator importantíssimo para esta pesquisa, afinal os debates e pesquisas acadêmicas relativos à idade média no Brasil são recentes: “O esforço sistemático para formar pesquisadores capazes de produzir conhecimento em história medieval no Brasil é recentíssimo, datando da década de 1980. ” (Revista Signum, 2013, vol. 14, n. 1. Pág 3, ALMEIDA. Neri de Barros.)
Um fator contribuinte para que grande parte das produções didáticas distribuídas nas escolas brasileiras não estejam de acordo os estudos mais recentes sobre o medievo:
“ (...) se as representações (Como o livro didático) que a escola continua a divulgar sobre a idade média não estivessem, em boa medida, em desacordo com a atualidade da pesquisa sobre a civilização medieval e conservando uma visão evolucionista e linear da história. ”[3] Logo, é necessária uma revisão sobre estes materiais didáticos que estão desatualizados com os avanços do ensino medieval no Brasil. Pois aparentemente ainda há editoras (responsáveis pela produção destes livros didáticos) que estão desatualizadas com tais progressos.
O mercado editorial é um dos fatores que fazem parte da constituição do livro didático, fazendo a produção do mesmo:
“O livro didático é, antes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização. ” (O saber histórico na sala de aula, p71, Org., Bittencourt, Circe) Portanto, os livros didáticos atendem também a interesses econômicos da indústria editorial. Bittencourt reforça:
“Como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural e do sistema capitalista. ” (Livros e materiais didáticos de História, pg301, , Bittencourt , Circe)
Há também a interferência do estado brasileiro no processo de fabricação, que através de órgãos responsáveis como o MEC (Ministério da Educação) e o PNDL (Programa Nacional do Livro Didático) em conjunto, elaboram os currículos nacionais de ensino, estipulando quais conteúdos escolares e teóricos devem compor o livro, não sendo responsabilidade única da editora: “(...) constitui também um suporte de conhecimentos escolares propostos pelos currículos educacionais. Essa característica faz que o estado esteja sempre presente na existência do livro didático. ” (Livros e materiais didáticos de História, pg301, Bittencourt, Circe)
Portanto, o livro didático perpassa interesses únicos da construção do saber, mas também atende propósitos comerciais e sobretudo, ideológicos: “(...) O livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa. ” [4]
Logo, os conteúdos presentes no livro didático passam por seleções, onde a temática apresentada (inclusive a idade média) está sujeita a posicionamentos políticos e ideológicos em relação ao assunto, apresentando valores que estão de acordo com aqueles que produzem o material. Neste sentido Bittencourt reforça:
“Assim, o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado”. (O saber histórico na sala de aula, p73, Org. Bittencourt Circe)
Tendo está questão em vista, devemos sempre recordar que o livro didático é carregado de posicionamentos, sendo necessário um olhar crítico ao analisá-lo para não reproduzir discursos estereotipados e intencionados em função de sua carga ideológica. Sendo o papel de análise a cargo do professor. De qualquer forma o fato de apresentar posicionamentos ideológicos não invalida o conteúdo teórico. Afinal todo e qualquer livro didático irá conter estas visões políticas que são fruto da sociedade em que vivemos, sendo improvável estar isento:
“(...) é comum pensar-se que esses conteúdos devam ser transmitidos de forma transparente e sem posicionamentos de qualquer tipo. Contudo, o livro didático não pode ser entendido fora de seu contexto social. Ele é, na verdade, um produto cultural produzido segundo as normas, a lógica e a ideologia da sociedade em que está inserido. O discurso é o lugar de encontro entre a língua, a história e a ideologia. O livro didático, como produto discursivo, é uma forma de materialização de uma determinada ideologia. Não há neutralidade no discurso. ”[5]
Identificado características do livro didático, é necessário o reconhecimento de que, enquanto um instrumento, o mesmo não substitui o professor e nem é essa sua função. Deve ser analisado de maneira justa, respeitando suas propostas e suas limitações enquanto material de auxílio para a aprendizagem:
“ As críticas em relação aos livros didáticos apontam para muitas de suas deficiências de conteúdo, suas lacunas e erros conceituais ou informativos. No entanto, o problema de tais análises reside na concepção de que seja possível existir um livro didático ideal (...) O Livro didático possui limites, vantagens e desvantagens como os demais materiais dessa natureza e é nesse sentido que precisa ser avaliado (...). ” [6]
A idade média na cultura escolar
O conceito “idade média da cultura escolar” trata-se do conteúdo referente a idade média que é transmitido através das escolas e consequentemente, de suas produções didáticas para a construção do ensino. Obras que tem como característica o objetivismo e síntese, produzindo uma história coesa e linear, sem maiores problematizações do período. Formando, portanto, um conjunto de discursos que resumem o período de mil anos em poucos temas e páginas de forma cristalizada:
“(...) A outra idade média é aquela que encontra seu espaço de disseminação sobretudo por meio das escolas, e obviamente nas publicações didáticas utilizadas para o ensino de história. Trata-se do que chamamos de a idade média da cultura escolar, ou seja, um conjunto limitado de representações que formam um discurso coerente e acessível ás novas gerações, sob o estatuto e a legitimação da ciência histórica, pois é considerado, evidentemente, como tendo estatuto de verdade objetiva. ”[7]
Como mencionado anteriormente, quando se trata dos debates acerca do período medieval há um distanciamento visível entre o conteúdo acadêmico para o saber escolar. De modo que os conteúdos presentes nas salas de aula sejam em grande parte, abordagens preconceituosas sobre o período: “Na idade média da cultura escolar pouco se fala do fantástico, do fabuloso, da magia e da fantasia, o que observamos, entretanto, é uma leitura recheada de generalizações e de preconceitos construídos a partir do olhar contemporâneo sobre o medievo”. (Pereira; 2008 pág.79).
Neste sentido, o aluno avalia o passado a partir de suas concepções formuladas no presente, esquecendo a historicidade daquele momento, produzindo visões anacrônicas a respeito da idade média:
“(...)O primeiro deles é que esse conjunto de generalizações e preconceitos, de maneira mais geral, leva o aluno a construir uma visão da história como evolução e linearidade, percebendo o relato histórico como uma espécie de julgamento, que se dá conforme os conceitos válidos no presente. Logo, o presente passa a ser o critério de julgamento do passado e constitui-se como o ápice do desenvolvimento, a culminância de um processo evolutivo que vê o passado como a “origem embrionária”, a partir de onde tudo evolui e, portanto, ainda em estado pouco desenvolvido. ”[8]
Destas visões e abordagens, surtem alguns efeitos negativos no aprendizado da temática medieval, como a prática de generalização:
“A prática de generalização parece ser uma característica quase essencial do ensino, particularmente do ensino de história. Em nome dela, muitas especificidades são perdidas; e professores e autores de livros didáticos acabam afirmando uma história coerente e lógica, sem fissuras, sem acidentes, sem contingências. ” [9]
Generalizações que ajudam a construir uma única idade média, limitando todo o período a partir de visões singulares. Recortes que acabam por reduzir imensamente outros temas importantes do medievo. Excluindo por exemplo o estudo da península Ibérica medieval, mais especialmente, da formação de Portugal, assunto deverás importante para se compreender a formação de aspectos políticos e culturais presentes na sociedade brasileira:
“(...) as diferenças entre as formações sociais do que hoje conhecemos como Inglaterra e do que hoje é a França não são consideradas pela maioria das publicações; menos ainda a especificidade do feudalismo do sul da França, a região do Languedoc, é conhecida pelos bancos escolares. A idade média ibérica, que diz muito sobre nós brasileiros e latino americanos, também não aparece em momento algum. ”[10]
Assim como outros diversos temas que são omitidos no livro didático que poderiam não apenas contribuir para um ensino de melhor qualidade, mas também, para apresentar diferentes realidades e visões, expandindo o ensino para além dos conteúdos curriculares de ensino.
Outro efeito que surge desta prática de generalizar é a persistência de um discurso iluminista que refere o período medieval como “idade das trevas”: “(...) fazer persistir a velha e ultrapassada ideia de que a idade média foi uma época de trevas, na qual a produção cultural fora pouco importante e sem significado para a formação do Ocidente”. (PEREIRA. 2008, pág. 80) . Onde produções intelectuais e artísticas são reduzidas no livro didático por muito das vezes por exemplo ao trabalho dos monges copistas, que de fato tiveram sua importância na preservação dos estudos clássicos. Todavia, as produções culturais vão muito além disto, segundo Le Goff:
“ Mas a Idade Média foi também, acho até principalmente, um grande período criativo. Podemos ver isso nos domínios da arte, das instituições, sobretudo nas cidades (por exemplo, nas universidades), ou ainda no campo do pensamento – a filosofia que chamamos de “escolástica” atingiu altos patamares do saber. Também vimos até que ponto a Idade Média criou “lugares de encontro” comerciais e festivos (as feiras, as festas), que continuam a nos inspirar. ”[11]
Contrapondo está visão de uma idade média retrógada, a criação das universidades se deu neste período, difundindo conhecimentos científicos e intelectuais. Sendo a primeira a aparecer no território europeu no séc. XII, com a universidade de Bolonha (1119). Fora as universidades islâmicas que desde o ano de 859 propagava conhecimentos com a universidade de Al-Karaouine no Marrocos. Assim também, como a insistência de reduzir a idade média a uma única estrutura, o feudalismo:
“Em muitas publicações didáticas atuais, o feudalismo define e se confunde com idade média: ele é o começo, o meio e o fim do mundo medieval, de maneira que o estudo da idade média se resume ao aparecimento e à decadência do sistema feudal. (...)” (PEREIRA,2008, pág. 92)
Conceito este que, da forma como foi estruturado, se desenvolveu de fato entre os séculos IX e X, e em localidades restritas:
“Talvez seja mais importante ainda constatar que a Europa feudal não foi totalmente feudalizada no mesmo grau nem segundo o mesmo ritmo e, especialmente, que em parte alguma o foi completamente. Em nenhum país, a população rural caiu totalmente nas malhas duma dependência pessoal e hereditária. Quase por toda parte – ainda que em número extremamente variável, conforme as regiões – subsistiram terras alodiais, grandes ou pequenas. A noção de Estado nunca desapareceu absolutamente (…). Na Normandia [norte da França], na Inglaterra dinamarquesa, em Espanha, mantiveram-se grupos de guerreiros camponeses. ”[12]
Percebe-se então, uma recorrência as generalizações, principalmente no que se refere a temática do feudalismo. Logo, é imprescindível o trabalho crítico do docente ao realizar a leitura no livro didático, de modo que identifique possíveis lacunas e pré-conceitos. Para que isso aconteça, é necessário um diagnóstico prévio do conteúdo a ser explicitado, para assim trabalhar o material de modo mais eficaz. Para tal, seguirei com critérios de análise propostos pela autora especialista em educação e materiais didáticos, Circe Bittencourt. A autora classifica três aspectos importantíssimos para uma boa análise, são eles:
1. Análise dos aspectos formais do livro didático.
Como dito anteriormente, o livro didático é um produto da indústria editorial, no qual passa por um processo de elaboração diferente de outros livros. Trata-se de um produto que seu principal destinatário é o professor, que decidirá sobre sua compra e forma de utilização, e também o aluno que se caracterizará como consumidor deste produto. Enquanto um produto, qual são suas características físicas? O livro apresenta qualidade no papel no qual é impresso? Tem quantidade e qualidade nas imagens ali expostas? Como estão organizadas suas divisões, ou seja, seus aspectos físicos e gráficos contribuem para o processo de aprendizagem?
2. Análise dos conteúdos históricos escolares relacionados ao feudalismo.
Em condição de depositário de determinado conhecimento histórico, é importante identificar quais foram as referências bibliográficas para a construção deste conteúdo, pois demonstra o engajamento dos produtores com os estudos mais recentes sobre o tema. Neste sentido, como os textos estão elaborados, ou seja, no processo de transposição do ensino acadêmico para o livro didático naturalmente sintetiza-se o conteúdo. Logo, apesar de ser resumido, o discurso é em demasia simplificado? Elimina características essenciais para o aprendizado? Os textos contem discursos impositivos que dificilmente são passíveis de contestação ou abrem espaço para o alunado refletir sobre o assunto?
3. Conteúdos pedagógicos.
“Os conteúdos dos livros didáticos têm outra característica que precisa ser analisada: a articulação entre informação e aprendizagem (...) É importante perceber a concepção de conhecimento expressa no livro; ou seja, além de sua capacidade de transmitir determinado acontecimento histórico, é preciso identificar como esse conhecimento deve ser aprendido. ”[13]
Como a forma em que o conteúdo está exposto ajuda no processo de ensino e aprendizagem? Como são as atividades, o que geralmente se cobra delas? Os alunos terão oportunidade de fazer comparações? Identificar semelhanças e outros fatores que contribuam para sua interação com o material?
Para colocarmos em prática os seguintes critérios de análise foram selecionados dois livros que estão em uso nas escolas de São João da Boa Vista – SP, são os seguintes:
· Projeto Araribá: História / Editora moderna; Maria Raquel Apolinário – 3ª edição – São Paulo, Moderna 2010
· História, Sociedade & Cidadania / Editora FTD/ Alfredo Boulos Junior – 2ª Edição – São Paulo, FTD 2014
Para acrescentar está análise será discutido também a influência das imagens presentes no capítulo em questão, tentando identificar como estas figuras contribuem para a construção de uma visão específica sobre este tema.
A obra “didática ‘‘Projeto Aribabá” foi selecionada devido ao fato de estar em uso na escola na qual estagiei, Cel. Joaquim José. Neste período obtive meu primeiro contato com este livro didático. Junto com as aulas referentes ao tema de idade média, fiz comparações da transposição do conteúdo explicado pelo professor para os alunos, assim como a recorrência do docente a obra.
Sobre os aspectos físicos do livro pude observar que se trata de um modelo padrão em qualidade de material. Possui uma boa organização de tópicos, deixando claro qual tema está sendo tratado, sempre recorrendo a imagens e ilustrações. Quanto ao conteúdo histórico temático relacionado ao feudalismo tive boas impressões. Ao iniciar o tópico destinado ao feudalismo o autor deixa notas para o professor que irá trabalhar o tema:
“Professor, é importante destacar que a análise a respeito do feudalismo que será feita nas páginas a seguir referente ao sistema que se desenvolveu em regiões onde hoje se localizam França e Alemanha, principalmente. Porém, mesmo nesses locais, desenvolveram-se traços próprios do sistema feudal, que se relacionam aos hábitos e ás tradições dos habitantes dessas regiões, as condições econômicas e a outros aspectos. Também cabe lembrar que o tempo de duração do feudalismo não foi o mesmo nas regiões em que ele existiu, tendo se estendido por vários séculos em algumas localidades. ” [14]
Esta observação é um ponto fortíssimo para a obra, pois atende a necessidade da objetividade presente nos livros didáticos sem que o conteúdo esteja deslocado geograficamente e temporalmente, fato extremamente presente quando se faz generalizações, ou seja, deixa claro que o que está sendo estudado ali é uma fração da Europa medieval, e não uma abordagem completa sobre a temática. No mais, aspectos culturais e estruturais são apresentados de forma concisa, porem com textos bem elaborados. As referências bibliográficas se mostram atuais e com autores de referência no meio, como exemplo Hilário Franco Junior, doutor em história medieval e percussor das pesquisas medievais no Brasil.
Quanto ao conteúdo didático o livro também é aprovado, apresenta questões que exigem a reflexão do aluno, há um exercício onde o aluno deve inverter as palavras de um texto ali contido, devendo trocar o sentido do texto que é baseado nas funções exercidas pelos nobres para a visão dos servos. Um livro excelente para trabalho.
A segunda obra analisada foi o livro “História, Sociedade e Cidadania” do autor Alfredo Boulos Junior. Também presente na escola Cel. Joaquim José, porém, destinada ao ensino médio. Ao contrário do primeiro livro, este não apresenta informações ao professor, não há explicações sobre onde se deu o feudalismo, passando uma impressão de que o feudalismo aconteceu em toda a Europa medieval. Por outro lado, apresenta infográficos e linhas temporais com as principais ocorrências do período, como a ascensão do reino de Carlos Magno, a queda de Constantinopla e outras importantes eventualidades conceituais do período. A parte gráfica do livro contém inúmeras imagens com castelos e iconografias medievais, passando, portanto, uma boa ideia visual do que foi o período, possuindo bons elementos didáticos, como exercícios de observação de imagens e recomendações de filmes e livros de literatura. Sua referência bibliográfica está de acordo com as atuais pesquisas, March Bloch é um dos autores de referência para a produção desta temática presente no livro. Enfim, apesar de ser menos completo do que o primeiro, pode-se considerar um bom livro para uso.
CONSIDERAÇÕES:
Como visto nos livros analisados, existem diferentes formas de apresentar os temas relativos à Idade Média. Enquanto alguns autores são mais factuais e historiográficos, outros escolhem por apresentar questões mais culturais. E isso reflete na fala dos alunos em que muitos se lembram de uma Idade Média construída historicamente e onde outros se reportam mais a lendas e mitos. Procurando caminhos para o ensino de história medieval nas escolas, o emprego de imagens, filmes e de textos literários é, além de bem-vindo, necessário para o estudo da Idade Média.
Ao avançar pela pesquisa, principalmente pelas abordagens que Nilton Mullet Pereira faz a respeito da temática medieval presente nos livros didáticos, suas críticas me levaram a crer que as análises sobre os livros didáticos seriam negativas. Para a minha surpresa, aparentemente os livros didáticos publicados a partir de 2010, no geral, são boas produções. Indicando que as pesquisas na área da educação, e, principalmente sobre os livros didáticos tem recebido a devida atenção, avançando para a construção de um ensino de melhor qualidade, principalmente no que se diz respeito a idade média.
Este texto procurou discutir como esse assunto está presente nos livros didáticos e como os seus textos repercutem nas falas dos estudantes. O que se percebeu foi a diversidade de temas e a necessidade de ajustes nos livros. Não se considera aqui que eles serão os únicos a informar os alunos, mas como são importantes referenciais podem ser construídos de outras maneiras e com outros assuntos. Também se percebeu que as visões dos estudantes sobre a época medieval são distintas e são construídas além do universo escolar. Como importante parte do universo de saberes históricos o assunto mundo medieval intriga, instiga e impressiona... e essa sedução que é antes de tudo histórica deve receber atenção!
[1]OLIVEIRA, João Batista Araújo. A política do livro didático. Campinas: UNICAMP, 1997, pag. 26. [2] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos, Cortez editora, Pág. 302. [3] PEREIRA, Nilton Mullet, Possíveis passados: Representações da idade média no ensino de história, 2008 pág. 78. [4] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O saber histórico na sala de aula, Cortez editora, pág. 72. [5] Daniella Baretta, Ideologia e livro didático, a polêmica de nova história crítica. Artigo. Pág. 4 [6] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livros e materiais didáticos de história, Cortez editora. Pág. 300. [7] PEREIRA, Nilton Mullet, Possíveis passados: Representações da idade média no ensino de história, 2008.Pág 78. [8] Ibdem. Pág 79. [9] PEREIRA, Nilton Mullet, Possíveis passados: Representações da idade média no ensino de história, 2008.Pág 91 [10] Ibidem, Pág. 93 [11] LE GOFF, Jacques. A Idade Média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007. Pág 112. [12] BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Ed. 70, 1982. , p. 484-5 [13] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez; 2009 pág. 314-15. [14] Nota para instrução do professor presente no livro didático, pag 22.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.
______, Circe (Org.). História na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2010.
GUIMARÃES, Selva. Didática e Prática de Ensino em História. Campinas, SP: Papirus, 2003.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990.
______. As Mentalidades: Uma História Ambígua. In: LE GOFF, Jacques. NORA, Pirre. (Org.). História: Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
LE GOFF, Jacques (Org.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. A Civilização do ocidente Medieval. Bauru, SP: Edusc, 2005.
______. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
______. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008.
PEREIRA, Nilton Mullet. GIACOMANI, Marcello Paniz. Possíveis Passados: representações da Idade Média no ensino de História. Porto Alegre, RS: Zouk, 2008.
PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de História, Medievalismo e Etnocentrismo. Porto Alegre, RS: Historiæ, V.3, n.3, 2012.
PERNOUD, Règine. Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1979.
______. Luz Sobre a Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, 1997.
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