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A busca portuguesa pelas especiarias: Desbravando a rota para as índias e além

“O mar com limites pode ser grego ou romano;

O mar sem fim é português.”

– Fernando Pessoa.


No início do século XV a população de Portugal não ultrapassava um milhão de habitantes, seus reis eram pobres demais para cunhar suas próprias moedas. As bases da economia portuguesa eram a pesca e a agricultura. Isolados do comércio do mar mediterrâneo pelo monopólio comercial das cidades italianas de Genova e Veneza, Portugal era uma região considerada periférica aos olhos do mundo. No entanto, essa condição estava prestes a mudar: As aspirações de Dom João 1ª de Aviz, o rei, eram bem maiores que o tamanho de seu minúsculo país. Suas ambições tornariam Portugal um país reconhecido em todo o planeta.


A cidade de Ceuta no litoral norte da África, foi o primeiro vislumbre das riquezas que o oriente poderia oferecer aos portugueses. Seus depósitos cheios de pimenta do reino, cravo e canela, produtos de imenso valor comercial encontrados apenas no oriente, deram uma amostra do que a expansão marítima poderia proporcionar ao cofre real. Havia também uma mentalidade de guerra santa, construída ao longo dos últimos séculos nos conflitos da reconquista contra os muçulmanos na península ibérica. Sob a espada do infante Dom Henrique, filho de Dom João, encarou-se pela primeira vez a fúria dos mares em viagens de longo alcance. Ceuta fora conquistada em 1415, inaugurando as conquistas portuguesas para além do mar e sua posição de vanguarda no papel nas descobertas marítimas para as índias e além.

(A Conquista de Ceuta, cidade islâmica no Norte de África, por tropas portuguesas sob o comando de João I de Portugal, deu-se a 21 de Agosto de 1415.)



RECONHECIMENTO:


Henrique o navegador, como passou a ser conhecido, deu continuidade na missão de exploração do desconhecido. A expectativa era ter acesso ao ouro, escravos e especiarias presentes nas cidades costeiras do continente africano. A princípio, ainda que com poucos recursos, as empreitadas eram impulsionadas pelo desejo incessante por glórias militares e pela fé católica. A ideia de contornar as garras do islã sobre a Europa era ao mesmo tempo econômica e ideológica. Haviam lendas sobre grandes pepitas de ouro na África subsaariana e também sobre reis cristãos que poderiam se aliar aos interesses portugueses no exterior, por exemplo o lendário “Preste João”, que nos contos populares tratava-se de um rei cristão rico e poderoso no imaginário popular.

Com uma posição geográfica favorável, as caravelas portuguesas avançaram em busca de novas terras. Expedições anuais ao longo da costa africana mapeavam e descobriam novas terras, cada golfo, córrego e rio era acrescentado aos conhecimentos cartográficos, descobria-se novas rotas e possíveis caminhos. Para além das dificuldades e imensos riscos destas explorações, havia também uma competição acirrada com o reino de Castela (Espanha), disputavam para achar o tão sonhado caminho para as Índias e ter acesso aos seus produtos. Mapas e informações eram guardados sobre sigilo, sob pena de morte para quem revela-se seus avanços e técnicas de navegação adquiridas.

(Iluminura medieval representando O Preste João, um lendário soberano cristão do Oriente , correspondendo, na verdade, ao Imperador da Etiópia. Diz-se que era um homem virtuoso e um governante generoso. O reino de Preste João foi objeto de uma busca que instigou a imaginação de gerações de aventureiros, mas que sempre permaneceu fora de seu alcance.)



A CORRIDA:


O tempo corria e a coroa passava aos sucessores, mas a missão permanecia a mesma. Sob o comando do rei João “o perfeito” sobrinho neto de Henrique o navegador, as expedições ganharam um novo folego. Emissários e agentes foram enviados por terra e mar para todos os cantos da Europa com objetivo de buscar navegadores experientes e com técnicas náuticas inovadoras, muitos foram postos a serviço do rei e suas ambições. Reunindo uma geração de capitães, marinheiros e outros aventureiros talentosos, escolhidos acima de tudo por suas habilidades técnicas e não apenas por suas posições sociais.

As adversidades encontradas nos mares colocavam a prova as expedições e as habilidades dos capitães, tempestades em alto mar, mortes na tripulação por doenças como escorbuto e outras relacionadas a alimentação precária além da falta de higiene, infestações de ratos nas embarcações era algo comum. Apesar das baixas, as missões prosseguiam anualmente. Em 1486, o rei D. João II passou o comando de uma expedição marítima para Bartolomeu Dias, português que ficou célebre por ter sido o primeiro europeu a circum-navegar para além do extremo sul da África, contornou o que chamou de “cabo das tormentas” pelas imensas dificuldades encontradas nesta viagem, posteriormente renomeada pelo rei como cabo da boa esperança, dada o primeiro vislumbre do Oceano Índico, abrindo o caminho para as expedições que viriam em fim chegar à índia.

(mapa moderno presente em livros didáticos com as rotas realizadas durante o período)


VASCO DA GAMA:


As expedições exigiam tempo e planejamento, cada viagem durava meses e não havia método de comunicação com a capital, tornando o processo exploratório um esforço de várias gerações. Entrepostos comerciais na costa do continente africano foram fundados, garantindo o reabastecimento das frotas que partiam anualmente e necessitavam realizar paradas ao longo da rota, a cultura portuguesa começava a se espalhar pelo mundo.

Em meados de 1490 sob o reinado de Emanuel que significava “Deus Conosco” Lisboa era uma cidade trepidante, cheia de atividades e expectativas, mercadorias de toda a costa ocidental africana enriqueciam o comércio português com suas variedades de produtos, inclusive com negros escravizados na costa da Guiné, tornando Lisboa um comércio procurado por todo ocidente de compra e venda escravos. Havia um fervor impulsionado pelas descobertas recentes e pela conquista do último reduto muçulmano na península ibérica pelo reino de Castela, a cidade de Granada. Este sentimento de proteção divina inspirou a expedição de Vasco da Gama em 1497. Recrutado para a próxima expedição, era membro da baixa nobreza mas era reconhecido por sua coragem e valentia, descrito como: “Audaz em ação, severo em suas ordens e formidável quando zangado” foi o capitão responsável pela viagem iniciada em 24 de fevereiro daquele ano.

Ainda que usando dos conhecimentos adquiridos nas viagens anteriores, as dificuldades não foram menores, a necessidade de entrar em alto mar para que se aproveita-se das monções e ventos para ganhar velocidade, levaram a frota para grandes perigos meteorológicos que eventualmente atrasavam a frota que se dispersava no oceano. Águas gélidas e constantes mudanças de clima abatiam a saúde dos marinheiros, faltavam alimentos frescos e água potável, biscoitos uma das poucas fontes de comida estragavam com a umidade. O escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C, causava sangramentos na gengiva, fadiga e sem tratamento adequado ceifou a vida de metade da tripulação, a baixa moral da tripulação levava a indisciplina e motins.

Sem avistar terra durante 93 dias, navegaram 7.250 km em mar aberto, as esperanças diminuíam diariamente, resistiram até que o calor começou a aumentar, o céu e o mar agora tornavam-se de um azul brilhante. Avistou-se na terra uma orla de árvores verdes, areia branca e homens de cor castanha avermelhada. Eles haviam entrado no mundo muçulmano, e foi então que a complexidade das negociações costeiras tomara um novo rumo, um ano após a partida estavam em Moçambique, na África oriental.

(Pintura representando Vasco da Game negociando com o Zamorim de Calicute, Índia)


A POLÍTICA DA CANHONEIRA :


Neste ponto tudo era novo, a expedição agora andava por águas desconhecidas. Nenhum capitão português havia chegado tão longe. Apesar de todas as dificuldades acreditava-se estar perto das Índias e havia a necessidade de se comunicar com os povos que habitavam a região em busca de informações e principalmente reabastecer as embarcações com suprimentos.

A tripulação carregava seus interpretes para comunicar-se com os diferentes povos nas cidades costeiras, no entanto, estes contatos eram carregados de problemas nas traduções e eram carregados de desconfiança, dando rumos imprevisíveis as negociações. A princípio Vasco da Gama tentou agir por vias diplomáticas, tentou recrutar marinheiros com experiência na navegação do oceano índico, mas a diferença religiosa e cultural gerava atritos e desentendimentos, foi em Mombaça no Quênia que o inevitável aconteceu, suspeitando que os recém recrutados tripulantes agiam como espiões de forças inimigas o capitão-mor perderá a paciência. A política adotada foi a da canhoneira. Ao menor sinal de problemas, os canhões de bronze portugueses faziam chover bolas de chumbo nos portos e cidades hostis, derramando sangue de qualquer um que ousa-se a desagradar o capitão causando empecilhos a missão.

A tecnologia militar europeia era vastamente superior, com armaduras e armas superiores não havia chance de reações efetivas de seus inimigos. Para além do julgo português através da força, a perspicácia de Vasco da Gama aproveitou dos conflitos internos entre líderes locais e seus súditos, dividindo para conquistar.

Em Melinde, mais ao norte do Quênia, houve uma nova parada, por 9 dias a pequena flotilha de Gama ancorou na costa desta cidade. O sultão convidou o capitão a desembarcar e houve troca de reféns. Gama enviou portugueses condenados e homens sem importância, em troca vieram homens que conheciam os segredos de navegação para uma cidade chamada Calicute, na Índia. Inquieto por alcançar seu destino, Gama deu ordem de sequestro, colocando forçadamente estes homens em seu serviço. O rapto destes marujos fora condenado muito tempo depois entre todo o mundo muçulmano, foi atribuído a eles a culpa por abrir as portas para a permanência portuguesa no oceano índico.

(Gravura representando caravela portuguesa, tais embarcações possuíam alto poder de fogo, subjugando muitas cidades sem a necessidade de desembarque)


Com as informações de navegação, a frota desancorou e partiu a noroeste, para alto mar.

Os portugueses haviam se despedido de seus entes queridos em Portugal 309 dias antes, navegado 19 mil KM por afluentes, rios e inúmeros lugares até então desconhecidos, perderam muitos homens para as doenças, escaramuças e tempestades. Em 18 de maio de 1498 avistou-se a costa Indiana, através da forte chuva foi possível ver densas florestas, uma planície estreita e ondas quebrando na areia Branca. Estavam prestes a alcançar o sonho iniciado gerações atrás. Gama Conquistou um feito significativo da história do mundo, pôs fim ao isolamento europeu no oriente, era o começo de uma nova era.

A Viagem de Vasco da Gama tomou muitos de surpresa, ela acrescentara 1800 lugares aos dicionários geográficos do mundo e revelou uma montanha de novas informações sobre as índias, dando início a um processo de colonização e enriquecimento com o comércio conquistado a partir das mercadorias indianas. O rei Manuel, acrescentou ao seu título de nobreza: “Rei de Portugal e Algarves D’Aquém e d’Além-Mar em África e senhor da Guiné, senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. Adquirindo imenso prestígio em toda cristandade europeia.


Mesmo antes da Volta de Vasco da Gama, preparavam-se para a próxima partida: O mar agora tinha um dono, Portugal elevou-se de uma potência minúscula para um império intercontinental, levando a língua e cultura lusitana para boa parte do mundo.


(Lisboa representada em seu auge, através das riquezas adquiridas no oriente)

(Sob o reinado de Dom Emanuel alcançou-se o objetivo de contornar o continente africano para chegar nas índias)




Texto escrito por Fernando Queiroz, professor de história.

Referência bibliográfica: Crowley, Roger. Conquistadores - Como Portugal Forjou O Primeiro Império Global. 3 Edição, Editora: Crítica


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